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psihelenabreu

Sobre os dizeres da graça (sem graça)

Gosto de sentir as palavras. Não quero dar sentido a tudo. O sentido é justamente, por ironia ou paradoxo, aquilo que muitas vezes faz perder o sentido mais cru da coisa - a essência. Pra dar nome, pra tornar real, é preciso elaborar - e olhar em excesso revela a feiura daquilo que sem tanta aproximação ainda é belo, ou apenas menos feio. O que quero dizer é que nem tudo precisa ser racionalizado ou posto em palavras. Tentar explicar tudo empobrece aquilo que não está no campo da razão. 


E ora, não tome nada que digo como verdade universal. Nunca quis ocupar esse lugar. Logo eu... Não caia nessa ladainha. Precisamos em algum momento encarar o horror. Não defendo uma vida inerte daquilo que deve ser (re)visitado. Não é nesse sentido que me refiro. Até mesmo porque, enquanto defendo aqui que nem tudo precisa ser dito, o faço justamente através do ato de pôr em palavras. Palavras essas que não necessariamente vão ter alguma lógica. Mas elas simplesmente vem pra ponta dos dedos, quase que escapando da boca. Elas pedem pra sair, eu apenas obedeço. E o que sai no final das contas é, sobretudo, aquilo que é sentido. O sentimento transposto em escrita. A elaboração é o que vem através. E não que seja menos importante, mas nesse instante escolho o sentir. A elaboração ficará para outrora.


Em outra hora, haverá. Há de haver... esse algo que tanto busco e nunca sei onde encontrar. Meu apreço mais se parece ao apego em precisar. Preciso. Eu preciso e isso é tão preciso. Tenho poucas certezas. Mas sei da minha necessidade. E volto a falar de ânsia. Essa ânsia que anseia e chega a regurgitar. Escrevo me colocando. Isso porque já me apaguei demais. Agora, exposta, como uma carne revirada no açougue, sinto que moscas estão pairando, prestes a. Prestes a algo. Me sinto pegajosa. Crua. Vermelha. Sinto meu líquido natural - este que dizem não ser sangue. E de fato - não é. Mas se não é, porque me sinto tão insolitamente viva? Meu sangue vibrante e cheio de vida deve estar aqui em algum lugar, pois posso sentir. Mas se sinto, o que isso que sinto? Porque não sou real. Não posso ser. Quando me entendo gente, sou obrigada a cair na fatalidade daquilo que sou, destemperada. Isso que eu tanto gostaria que fosse, essa realidade outra, com tom fantasioso - nela, sou feita de sangue. Mas como apenas mais um pedaço de carne, em minha fatal realidade, meu líquido insosso é apenas assim, sem graça. E com ele deve haver contentamento suficiente para que eu leve a vida. Essa vida que não tem todo sal que foi - se é que foi - prometido. Nosso refrão, que seria supostamente o ápice de alguma coisa (de nossas vidas, talvez?), aquilo que é tão carregado de sentimento, ainda assim, é de uma graça sem graça. E é aí que mora a possibilidade de inventar alguma graça, quem sabe não há uma brecha - de nós mesmos?


“[...] E diz que só queria descansar

De quem a gente mesmo escolheu ser

Sem querer

É sempre sem querer

Então, taí

Nosso refrão

Taí

Sem graça

Sem graça

Sem graça

Sem graça

Então, taí

Pois então

Taí


Canção de Cícero Lins”


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